Ribeiro Sanches

Ribeiro Sanches X Ribeiro Sanches

Penamacor era, na altura, uma vila propícia, com guarnição militar e um castelo fernandino a lembrar a sua importância como fortaleza arraiana.

A minha família tem sangue judaico - meus pais são Simão Nunes e Ana Nunes Ribeiro, abastados comerciantes da região, cristãos-novos descendentes de outro grande médico Francisco Sanches (1551-1623).

Quando eu nasci já a fogueira da Santa Inquisição fazia arder corpos e almas no Rossio de Lisboa e de Évora, assim como nos Paços de Coimbra e Goa.



A débil constituição física, aliada a um perfil hipocondríaco, não irá alterar a minha dedicação ao estudo e à pesquisa, devido em parte ao meu espírito diligente e curioso, apesar dos caprichos dos tempos e do Homem.

Ainda com doze anos já lia fluentemente castelhano, latim e todos os livros que me vinham parar à mão, tais como de Plutarco e Montaigne, sabia música e também conhecia a nossa história, razão segundo uns devido a uma inteligência superior e elevado espírito de observação – era o que mais tarde se irá chamar de criança sobredotada.

Por motivo da pressão familiar do lado paterno, com um tio jurisconsulto, versado em leis, vou ainda cedo para Coimbra para me inscrever no curso de Direito, em 1716.

Aqui, mais uma vez, insatisfeito com o meio (ao fazer uma “reflexão muito profunda acerca da decadência da universidade”) e com o estudo aborrecido das leis e da filosofia - “aprender a nossa filosofia era pior que não a aprender” - o que me provoca efeitos indesejáveis e outros distúrbios funcionais, acentuados pelo esforço em excesso dedicado ao estudo, exs. enxaquecas, desmaios, dores de estômago, moléstias estas que no futuro, mais ou menos próximo, se irão agrupar em queixas ou demais sintomas psicossomáticos.

Entre 1717-18, ao tentar perceber o que se passava comigo, vencendo a reconhecida insegurança interior, começo a ler tudo o que me vem parar às mãos, incluindo livros médicos. Nestes pareço ter encontrado algum conforto espiritual para os meus males, um deles em especial - os Aforismos de Hipócrates que, pela forte ligação entre a ciência prática e a filosofia especulativa, vai mudar-me em definitivo o rumo profissional.

Ao mesmo tempo, em Coimbra, o ambiente universitário era muito pouco disciplinado, o que associado ao estado de rebeldia latente dos alunos perante o ensino, ao obscurantismo dos mestres, mais o meu frágil e crónico estado físico (organismo débil e enfermiço), vai-me facilitar a transferência, a meu pedido, para a cidade vizinha de Salamanca, assim como inevitavelmente perder a noiva, minha prima, mais o belo dote de judia.

Em todas as épocas da nossa história, homens dos mais variados campos do saber, de modo mais sentido na Medicina, trocavam a terra de origem por um País estrangeiro onde pudessem exercer a sua profissão com outra sabedoria e paz de espírito. As grandes escolas da Península Ibérica limitavam-se a transmitir o conhecimento dos textos antigos, cuja autoridade não era questionada, votando o ensino e a prática médica a uma paralisante inércia.

Recebo por isso com facilidade o grau de doutor em Medicina, pela Universidade salamanquina, em 1724.

Para um jovem médico, acabado de regressar a Portugal, o País não oferecia grandes perspectivas. Instalo-me temporariamente em Benavente – aí reparo que as águas estagnadas são a causa de febres e outros morbos que as pessoas de Salvaterra manifestavam de modo intermitente. Ainda serei médico na Guarda e Amarante, antes de descobrir a Europa.

Em 1726, por denúncias feitas à Inquisição por um familiar, um primo, de nome Manuel Nunes Sanches, pela prática do judaísmo, sou obrigado a exilar-me à pressa, partindo pela calada da noite, num barco ancorado em Lisboa. Saio do País, desta vez sem mais regresso.

Após breves passagens por Génova, Montpellier, Londres (onde dou aulas e exerço medicina nos hospitais) e Bordéus, chego a Leiden, na Holanda, onde assisto às aulas do célebre Hermann Boerhaave (1668-1738), considerado o maior professor de medicina do seu tempo, para onde muito dos estudantes e doentes de todo o mundo se dirigem. Aqui torno-me, movido pela curiosidade científica, um dos seus discípulos dilectos mais distintos, deixando também de viver como judeu, a cuja fé já havia renunciado.

Em 1731, sob a sua incumbência parto para a Rússia. Aí exerço importantes cargos como médico, acompanhando as expedições dos exércitos imperiais e, depois, no Corpo Imperial dos Cadetes de São Petersburgo (colégio reservado à mais alta aristocracia russa), tendo por último sido nomeado médico da czarina Ana Ivanovna. Ao mesmo tempo correspondo-me com os melhores espíritos europeus da época.

Na Europa, sopram já os ventos do Iluminismo (os filósofos que difundiam o novo espírito do século julgavam-se promotores da luz e do conhecimento, sendo, por isso, chamados de iluministas); este movimento vinha ganhando expressão nos escritos de vários livres-pensadores: John Locke, Montesquieu, Denis Diderot, Voltaire e outros.

A longa permanência na Rússia (tendo participado na campanha militar de Azoff – Crimeia) e o contacto com os seus diferentes povos e raças permitem me fazer importantes observações etnológicas que comunico a Buffon e que são por ele referidas no 3.º Volume da sua História Natural.

Em 1747, de regresso a Paris, fugindo às intrigas da corte czarista, sou recebido por Frederico o Grande da Prússia. É-me atribuída uma tença por Catarina II da Rússia. Aqui, na cidade das Luzes, recolhido na intimidade dos livros, acabo os meus dias, a 14 de Outubro de 1783.

FUENTE:
vidaslusofonas.pt